Catatau: a justa razão aqui delira – Direção Octavio Camargo

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O espetáculo “Catatau: a justa razão aqui delira” fez uma adaptação da obra homônima de Paulo Leminski, durante os meses de junho e julho de 2015, em 20 apresentações exclusivas e gratuitas no Teatro Novelas Curitibanas.

A montagem reúne fragmentos do livro e aborda diferentes aspectos desta obra polifônica de Leminski: a visita fictícia de Renatus Cartésius ao Brasil no século 17, metáfora para o desenvolvimento do conceito de brasilidade na Europa, que ganha vulto a partir da publicação da enciclopédia Brasiliae, do naturalista George Marcgraf (a maior mídia sobre o Brasil a circular no velho mundo antes mesmo da empreitada portuguesa realizada um século depois). O desenvolvimento científico e tecnológico do renascimento, passando pelos experimentos óticos e acústicos de Atanasius Kircher, a calculadora de Pascal, até os atuais computadores.

Paulo Leminski definia seu fluxo-poema como obra cibernética, antecipando as transformações linguísticas decorrentes da prótese computacional, da internet e da inteligência artificial. O romance foi escrito entre 1967 e 1975, auge da ditadura militar, e se coloca também como obra de resistência, reafirmando a liberdade da linguagem em períodos de repressão. O poeta se utiliza de códigos cifrados para se comunicar, sempre atento aos “X9s” e à censura espreitando suas páginas.

Um aspecto do espetáculo que se tornou possível através da “criptodramaturgia” é o canone de Occam, texto que reúne as 61 ocorrências deste termo ao longo da obra e suas vizinhanças (150 letras para trás e para diante de cada “bip” desta mensagem código). Occam, além da figura histórica do monge-filósofo nominalista e autor de um tratado de lógica é também, para Leminski, o monstro semiótico perturbador da linguagem, aquele que ao se mover faz as sílabas saltarem umas sobre as outras e as letras espirrarem para fora das frases como um abalo sísmico da linguagem.

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No Catatau, suspeito ter criado o primeiro personagem puramente semiótico, abstrato, da ficção brasileira. Occam é um monstro que habita as profundezas do Loch Ness do texto, um princípio de incerteza e erro, o “malin génie” da célebre teoria de René Descartes.

A entidade Occam (Ogum, Oxum, Egum, Ogan) não existe do “real”, é um ser puramente lógico-semiótico, monstro de zôo de Maurício interiorizado no fluxo do texto, o livro como parque de locuções, ditos, provérbios, idiomatismos, frases-feitas.

O monstro não perturba apenas as palavras que lhe seguem: ele é atraído por qualquer perturbação, responsável por bruscas mudanças de sentido e temperatura informacional. Occam é o próprio espírito do texto. É um orixá azteca-iorubá encarnando num texto seiscentista.

Paulo Leminski

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A composição do recorte textual para a dramaturgia de “CATATAU: a justa razão aqui delira” contou com um experimento de bases na linguística computacional para encontrar novas leituras que pudessem revelar contextos ocultos e estimular jogos experimentais em ressonância com o espírito inventor que tempera o estilo de sua prosa.

Utilizando-se de técnicas de “processamento de linguagem natural” utilizadas também por tradutores automatizados, corretores ortográficos e simuladores de estilo da escrita, produzimos algumas recombinações e índices derivados do texto original que serviram como base para a construção de bordões, ordenamentos e transições das falas.

Uma inspiração para a usina criativa do que batizamos CRIPTODRAMATURGIA: procedimento dramatúrgico inspirado na arte de estudar, cifrar e decifrar mensagens “criptografadas” – ou seja – mensagens ocultas em anagramas, trocadilhos ou formações truncadas pelo ordenamento de frases e períodos do texto original.

Como material base compilamos 4 cadernos derivados neste processo: o “AlfaTaTal” – índice do léxico completo do Catatau em ordem alfabética, e três outros que listam sentenças curtas de exclamações, perguntas e afirmações do Catatau em ordem alfabética (“ExclamaTal”, “PerguntaTal” e “AfirmaTal” ).

Outros procedimentos foram inspirados no isolamento de contextos por palavras chave: a utilização de frases e vizinhanças com as palavras Occam (“Cânone de Occam”), Tudo (transformada no samba “Tudo e Tal”) e sentenças iniciadas com a afirmação do Eu (cena dos espelhos da “Eulália”). Estes jogos linguísticos deixaram ainda um caminho aberto para novas recombinações da obra e a construção de processos e textos derivados dos procedimentos de CRIPTODRAMATURGIA.

Glerm Soares

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“Catatau”, de Leminski, ganha os palcos. Obra mais hermética do autor ganha “criptodramaturgia”.

Paulo Leminski não morreu para sua legião de fãs, que poderão conferir um espetáculo de teatro a partir deste fim de semana, no Novelas Curitibanas, cuja proposta fica à altura do “nonsense” tão caro ao autor. Em “Catatau: a justa razão aqui delira”, o diretor Octávio Camargo parte do livro “Catatau”, de Leminski, e dele extrai trechos de uma forma bastante curiosa.

Por meio de “criptodramaturgia”, conforme o termo que a produção está usando, o artista Guilherme Soares isolou digitalmente diversos fragmentos da obra a partir de critérios tais como: todas as palavras do livro; todas as perguntas; todas as afirmações e todas as exclamações, sempre por ordem alfabética. Há ainda textos compostos a partir de todas as frases que começam com “eu”.

Em outro, foram reunidos todos os trechos em que Leminski cita o termo “occam”, usado por ele como uma espécie de código para se referir ao “monstro perturbador da linguagem”. Esses diferentes textos são usados pelas atrizes Claudete Pereira Jorge, Chiris Gomes e Helena Portela. A iluminação é de Beto Bruel.

O formato da encenação também inova, colocando o público fora da sala de apresentações, com 20 cadeiras nas portas que dão acesso a ela e mais algum espaço para pessoas em pé.

Por Helena Carnieri – http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/teatro/catatau-de-leminski-ganha-os-palcos-44ohu7p826ixu29fzi0vxzogk

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Sabedores de amanhã, concentrando reminiscências dos remanescentes, lerão letras junto do meu corpo neutro, ensinando aos futuros coisas pósteras.

Morte vinda, um texto me garante a eternidade, a árvore me cresce o nome na casca.

Cresce o sol na árvore vhebehasu, que pode ser enviroçu, embiraçu, imbiroçu, aberraçu.
Cresce de salto na árvore vhebehasu, que pode ser enviroçu, embiraçu, imbiroçu, aberra…

O desenlace do desempenho
no desenho desse espelho,
testemunho deste desespero.
Ondem? Acá.
Na estratagédia do despercídio, quem escafede?
OCCAM é lamentável.
Faça um enxame de consflência, dê uma volta de conscidênça, acrediste em retritos, qual não admira astromissão!
$SSSSSSsilêncio vem das ruínas das pedras, e era sonho, pelo que vejo, a medida do possível, a passagem do arrepio, o pânico está nos planos,
OCCAM entrou em mim.

Que é de ser, de mim? Falando latim.
Que é dele? Negado. Ou vele ou vire.
OCCAM, funto. Al: al, al.
Vítima de um VADERRETRÓS, valha tabu.
OCCAM, já morreu!
Superfície ainda fumegante do seu sangue e tinto dos seus vinhos, tintos.
Circuncisa as suas pegadas mistas contra as paredes labirintos: altíssimo abismo – o tal ponto.
Nos antípodas da boca, o mar undibundo.
Por quem me toma?
Por paralítico?
Por narcótico?

On.
Man.
OCCAM.
Olho bem, o monstro. O monstro vem para cima de monstromim.
Encontro – o. Não quer mais ficar lá, é aquimonstro.
OCCAM deixou uma história de mistérios peripérsicos onde aconstrece. Isso monstro.

Quod erat demonstrandum, qui xisgaravix vixit.
Isso é bom. Isto revela boa apresentação.
OCCAM ocultus! OCCAM vultus! OCCAM, o bruxo!
OCCAM torceu a sinalização. OCCAM disfarçou as peripécias.
Aonde vai com tanta pressa?
OCCAM vê o óbvio. Deixa o óbvio ali. Pensa uma oração e o óbvio desaparece.
OCCAM não pensa nada, se nadifica e falta.

Conosco! Conosco!

A análise começa em casa, palavra.
Para limpar lágrimas, uma lápide.
(CANTO GREGORIANO)
Passou por aqui um desconhecido.
A solução é ineficaz para debelar o problema.
O evidente acaba de ser visto.

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E PELO MUITO que lhe perguntam respondeu que sim afirmativamente dando a entender por sons e ademanes que tal ato praticara
E POR MAIS não dizer foi-lhe perguntado e quantas vezes
E ELE respondeu também por sons e ademanes que não sabia dizer ao certo quantas vezes tal ato praticara
E ASSIM o entendemos todos que não sabia quantas vezes o tal ato o praticara
E SABIA que tal ato praticara pois com palavras e ademanes respondera que sim afirmativamente
E DISSE sim e não negou negativamente
MAS DECLAROU ter tal ato praticado e não sabia quantas vezes
E RESPONDEU sim positivamente
E ASSIM o entendemos todos pelo muito claro de seus sons e ademanes.

Soares? Alves?
Araújo? Almeida?
Meireles? Brito?
Maia? Viana?
Silva? Abreu?
Galvão? Mendonça?
Amaral? Ruiz?
Maciel? Vasconcelos?
Aguiar? Vieira?
Barreto? Saraiva?
Camargo? Martins?
Barbosa? Guimarães?
Macedo? Gama?
Sá? Figueiredo?
Magalhães? Freire?
Azevedo? Menezes?
Fonseca? Dantas,
Borges e Teles?

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ergo sum, aliás, Ego sum Renatus Cartesius, cá perdido, aqui presente, neste labirinto de enganos deleitáveis, — vejo o mar, vejo a baía e vejo as naus.
Vejo mais. Já lá vão anos III me destaquei de Europa e a gente civil, lá morituro. Isso de “barbarus — non intellegor ulli” — dos exercícios de exílio de Ovídio é comigo.
Do parque do príncipe, a lentes de luneta, CONTEMPLO A CONSIDERAR O CAIS, O MAR, AS NUVENS, OS ENIGMAS E OS PRODÍGIOS DE BRASÍLIA.

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Desde verdes anos, via de regra, medito horizontal manhã cedo, só vindo à luz já sol meiodia.
Estar, mister de deuses, na atual circunstância, presença no estanque dessa Vrijburg, gaza de mapas, taba rasa de humores, orto e zôo, oca de feras e casa de flores.
Plantas sarcófagas e carnívoras atrapalham-se, um lugar ao sol e um tempo na sombra.
O vapor umedece o bolor, abafa o mofo, asfixia e fermenta fragmentos de fragrâncias.
Bestas, feras entre flores festas circulam em jaula tripla, as piores;
dupla, as maiores;
em gaiolas, as menores;
à ventura, as melhores.
Este mundo não se justifica, que perguntas perguntar? Esta bruta besta, temperando a corda ao contrário dos ponteiros dum relógio, para nunca conduzir-se, estacionou incógnita na reta.
Aí no galho.
Mister lembrar Articsewski da desgraça da preguiça que se abateu sobre mim.
A fumaça acima não a demove tão pouco de seus propósitos absenteistas.
Este mundo é o lugar do desvario, a justa razão aqui delira.
Animais anormais engendra o equinócio, desleixo no eixo da terra, desvio das linhas de fato.
De longe, três pontos… Em foco, Tatu, esferas rolando de outras eras. Saem da mãe com setenta e um dentes, dos quais dez caem aí mesmo, vinte e cinco ao primeiro bocado de terra, vinte o vento leva, quatorze a água, e um desaparece num acidente.
Um, na algaravia geral, por nome, Tamanduá, esparrama língua no pó de incerto inseto, fica de pé, zarolho de tão perto, cara a cara, ali, aí, esdruxula num acúmulo e se desfaz eclipsado em formigas.
Pela ou na rama, voce mettalica longisonans, a araponga malha ferro frio, bentevi no mal-me-querbem-me-quer.
A dois lances de pedra daqui, volta e meia, dois giros; meia volta, vultos a três por dois.
Anta, nunca a vi tão gorda.
Nuvens que o gambá fede empalidecem o nariz das pacas.
Capivara, estômago a sair pelas órbitas.
Monos se penteando espelham-se no banho das piranhas, cara quase rosto no quasequase das águas.
Monstros da natura desvairada. Tira pestana ao sol uma jibóia que é só borboletas.
Tucanos atrás dos canos, máscara sefardim, arcanos no tutano.

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Não, esse pensamento, não, é sístole dos climas e sintoma do calor em minha cabeça.
Penso mas não compensa: a sibila me belisca, a pitonisa me hipnotiza, me obelisco.
Bichos bichando, comigo que se passa?
Comer esses animais há de perturbar singularmente as coisas do pensar.
Palmilho os dias entre essas bestas estranhas, meus sonhos se populam da estranha fauna e flora.
O estalo de coisas, o estalido dos bichos, o estar interessante. A flora fagulha e a fauna floresce.

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A confusão das línguas não deixa margem para o rio das dúvidas banhar a ouro e verde as esperanças dos planos de todos nós:
as tábuas de eclipses de Marcgravf não entram em acordo com as de Grauswinkel; Japikse pensa que é macaco o aí que Rovlox diz fruto dos coitos danados de toupinambaoults e tamanduás; Grauswinkel, perito nas manhas dos corpos celestes, nas manchas do sol e outras raridades urânicas, é um lunático;
Spix, cabeça de selva, onde uma aiurupara está pousada em cada embuayembo,
uma aiurucuruca, um aiurucurau, uma aiurucatinga,
um tuim, uma tuipara, uma tuitirica,
uma arara, uma araracá, uma araracã,
um araracanga, uma araraúna,
em cada galho do catálogo de caapomonga, caetimay,
taioia, ibabiraba, ibiraobi!
Viveiro? Isso está tudo morto!

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Por eles, as árvores já nasciam com o nome em latim na casca,
os animais com o nome na testa dentro da moda que a besta do apocalipse lançou com uma dízima periódica por diadema,
cada homem já nascia escrito em peito o epitáfio, os frutos brotariam com o receituário de suas propriedades, virtudes e contraindicações. Esse é emético, esse é diurético, esse é anti-séptico,
laxante, dispéptico, adstringente, isso é letal.

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Cairás Torre de Vrijburg, de grande ruína! Vrijburg defende-se! Se defendam, vrijburgueses!
O cerco aperta. Acerta perto. Alerta, alarde, alarme, atalaia!
Todo tiro é susto, todo fumo, espanto, todo cuidado, pouco caso.

Abrir meu coração a Artyczewski. Virá Artyczewski.
Nossas manhãs de fala me faltam.
Um papagaio pegou meu pensamento, amola palavras em polaco, imitando Articzewski.

Bestas geradas no mais aceso fogo do dia…
Na boca da espera, Articzewski demora como se o parisse, possesso desta erva de negros que me ministrou… riamba, pemba, gingongó, chibaba, jererê, monofa, charula, pango…
tabaqueação de toupinambaoults, gês e negros minas, segundo Marcgravf.

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Crio à moda da casa; come com a gente, dorme por aí, não tem problema de vergonha para fazer cerimônia, é Occam ou não é? Lei da maior curtida: a oferta melhor contida na menor quantia cortada em duas cartadas desesperdaçadas! O báratro de uma dízima periódica, pântano de mercúrio onde… coaxando: Occam, Occam, Occam, por que me abandonam? Occam I o Outro a quem aprouve servir-se deste nome para engodar uns e nós embora o primeiro, não tendo tido a sorte do epígono ora presente Ide escorraçando esses intérpretes enquanto Occam, para evitar aborrecimentos, desdouros e dissabores arrevindouros, enceta outras insídias! Visto sob o ângulo esquerdo do travessão — Occam, um princípio de justiça, desabordem! Desordem , não nesta grandeza! Ab ordine recondita ad origine restituta? Posto Occam, ó compota descomposta! Polenta por três dias para se matarem vivos, água aos dedais, muitos alfazeres com Occam com mais uma das suas fez as demais, Occam, O implicante! Tem me levado às raias do deslumbre, mas para cá duns tempos o mesmo não se faz de aparente: Occam, o ajuizado, descreve uma parábola e cede o terreno ante a iminência dos celícolas, predadores seus, Frustra daqui, olho dali! Ponha conta de Occam, enganei um bobo numa casca de Occam. Manja de bichos? Qual o regime desse hajimepópolis? Fiquei do mesmíssimo tamanhinho: me reconduza à grandeza anterior. A quimera dominada! Occam! O mais estilista dentre os estilistas da Babilônia se candidata a nefelibata. Ovo, traga-o disfarço sob mil pretextos! Occam, eulálio, o bem falante, o grilo velante, o grito de elefante… Uma sentinela acaba de sentir Occam se espalhando pelas cloacas do templo, a casa não está para vender: Bufas operam, Occam — bulhufas! Vai de mal em farra a pior na marra, burbulha um murmunimento, balestrando! A mente levando em procissão de triunfo um altolume — menstro Occam me ratatatazana! Pratotípico. Eu o dia que Artyxewsky tivermos filho, occam chamado. O esconderijo perfeito a Occam pertence, o significado, ego, alter ego, Occam contra. Telepatético! Urgh! Gruh! Occam, Quem o viu , viu o morto? Vão-se os percálçulos, no sentido de abastecer Occam, me desembruto em abater Occam, apontando o suicida, com potencial de fogo e numéricas superioridades. Rochas escritas, descoberta de Occam: o local do acidente, o lugar do ausente. Enquanto mirava a superfície, minorava o sofrimento, memorava quanto admirava! O ouro é mais velho que Deus, os primeiros deuses já vinham em ouro: não é só isso, é tudo isso, a única coisa que quer ouvir Occam. Mas advirta que a tortura não deve chegar aos ossos, osso já não é gente: torturar com raiva, sim, — mas os mestres são calmos, Dezembruxe logo! A ele se invoca com pouca coisa, que nem alguém que eu conheço mais do que convém conhecei a outrem: Articzewski! Occam!

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Máquinas vi incríveis: o espelho ustator, a eolipila de Athanasius Kircher. A luz de círios e candeias um cone capta a incidir num círculo de vidro com desenhos à maneira de zodíaco, o feixe de luz desenrolando a imagem por sobre uma parede branca: Padre Athanasius aciona a roda para dar vida ao movimento, almas agitam braços frenéticos entre as chamas do inferno ou os eleitos giram em torno do Pai, — lanterna mágica a coar sombras na caverna platônica. Que dizer da engenhoca daquele tal de Pascal, cuja só menção é maravilha e pasmo das gentes? A pedido da Academia de Ciências, submeti e submeti o labirinto de peças e miuçalhas que dedilhadas calculam, a todos os rigores do escrutínio: experimentei-lhe a eficácia todo um dia e não se enganou uma só vez.

Bizarros tempos estes em que uma fábrica pouco maior que caixinha de música faz o ofício do entendimento humano!

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O relógio de Lanfranco Fontana está entre os dédalos máximos que os intelectos dessa era, quimerizando, puderam arquitetar: não contente em mostrar e soar as horas, acusa o movimento dos planetas e adivinha eclipses. Lidei com a obstinação da agulha magnética contra o Norte, perseguindo um meridiano.

Outras calo para não alarmar o mundo das várias que temo um dia nos cerquem. Máquina considerado este corpo, Leonardo aquele engenho tão agudo quanto artífice sutilíssimo não compôs um autômato semovente à maneira de humano? Dia virá em que se ponham altares a um deus-máquina, — Deus, a máquina de uma só peça.

Estas bestas fazem qualquer coisa das máquinas de que falo: qual a finalidade destas arquiteturas tortas? Provocar-me pasmo, maravilha ou riso?

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Hororismo: horror + heroismo
Antropografos: antopofagos + topografos
Econoclastas: economistas + iconoclastas
Azarejados: azar + arejados
Desafiatlux: desafia-te + fiat lux

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Uma árvore com bandos de papagaios e tudo acabando de dormir para esticar o esqueleto. É natural, isso é perfeitamente natural. Tudo o mais que sei não cabe no que digo. Os sintomas de tudo, os sistemas totais. Uma hipótese. Acontece que tudo o que eu digo acontece, portanto. Depois eu vou dizer tudo, não digam que eu não avisei. Ver tudo é bom? Ver tudo é coisíssima alguma.

Onde estava com a cabeça até me vir tudo nela? A coisa arruina o olho, não volta mais. O nome de guerra, guerra. Dito tudo, deglutem tudo num só umbigo, tendem a repousar no centro do seu peso. Tudo indica. Inalo maus espíritos, a alma que anima tudo isso. Carece o fogo da água, sua antítese. Resquícios de vagidos de balir a lhe roerem tudo por dentro. Aqui me falta tudo e nada me afasta daí, já vi tudo. Um mosteiro ali, uma aléia lá.

Lugar nenhum contém o peso de tudo. O câncer de Brasília engolirá tudo ou o núcleo de ordem da geometria dessas jaulas cujas efemérides é a réplica em efígie? Desinteiraram o todo, tudo está subjecto a tal sentença. Que pensam os índices sobre isso tudo? Mergulho no assunto e me ergo enxergando tudo. Um ovo. Um ego. Um isso de Occam. Agonias e pesadelos: penso mas não compensa, disperso tudo aquilo que disponho. Latim, tudo, que sei? Poucos falam latim. Deus lhe deu em dúbio tudo que lucubro.

No pé que estava, estava por um fio. Tudo é um tris. Instituiu­se persuasão universal de que tudo vai bem quando ninguém se queixa. Outra coisa: nem tudo vem ao caso, há casos aparentes. Outro caso: se eu ficasse omisso, perderia tudo o que já disse. Então repito negando. Acumulo dados, fiquei dispondo de tudo. Quanto mais presto atenção, mais presto. Agora deu. Agora nem tudo vale o que parece.

A ambigüidade está entre quem fala e quem pensa em tudo, a divergência produz um silêncio só porque ninguém entendeu? Óbvio que nem tudo é ambíguo. Eu é que perdi os sentidos. Trimegísticos teólogos lêem em tudo que se move os sinais do que não muda. Leva a crer que tudo existe, a boca é que não sabe dizer. Por exemplo, tudo que eu não digo os outros concordam comigo.

Ponha na tua frente tudo que você tem, você diminui na hora. É um fato. Se não fosse a febre que sabe de tudo afastando o alvitre porque ignora tudo na arte em que é exímio. Mas só os mestres sabem calar dizendo tudo. Tudo é ainda pouco. Tudo não tem detalhes. Na arte, detalhe é tudo.

Mal emerso dos brincos em que consome puerícia seus dias, dei-me ao florete, os exercícios da espada absorviam-me inteiro.
Mestres suguei escolados na arte.
Meu pensamento laborava lâminas dia e noite, posturas e maneios, desgarrado numa selva de estoques, florete colhendo as flores do ar.
Habitei os diversos aposentos das moradas do palácio da espada.
O primeiro florete que te cai na mão exibe o peso de todas as confusões, o ônus de um ovo, estertores de bicho e uma lógica que cinco dedos adivinham.
Nos florilégios de posturas das primeiras práticas, Vossa Mercê é bom.
A espada se dá, sua mão floresce naturalmente em florete, a primavera à flor da pele. Todavia de repente o florete vira e te morde na mão.
Não há mais acerto; Vossmercê não se acha mais naquele labirinto de posições, talhos, estocadas, altabaixos, pontos e formas.
Passa-se a onde o menos que acontece é o dar-se meiavolta e lançar de si o florete: abre-se um precipício entre a mão e a espada.
Agora convém firmeza. Muitos desandam, poucos perseveram.
Vencido este lanço, a prática verdadeira começa.
E a segunda morada do palácio: muitos trabalhos, pouca consolação.
Aí o florete já é instrumento. Longo dura.
Um dia, longe da espada, a mão se contorce no seu entender e pega a primeira ponta do fio, a Lógica. Vosmecê já é de casa, acesso à quarta morada.
A conversação com o estilete é sem reservas. O próprio desta morada é o minguado pensar: uma geometria, o mínimo de discurso.
Tem a mão a espada como a um ovo, os dedos tão frouxos que o não quebrem e tão firmes que não caia. De que o mesmo destino contempla vosmecê e a espada — você se inteira: inteiro está agora.
Aqui se multiplicam corredores, quod vitae sectabor iter?
No concernente à minha pessoa, escolhi errado: dei em pensar que eu era espada e desvairar em não precisar dela.
As luzes do entendimento bruxuleavam.
Não estava longe a medicina dos meus males.
Compus o papel de esgrima em que meti a palavreado o resultante de minha indústria passada.
O texto escrito, não mais me entendi naquela artimanha. Em idade de milícia pus então minha espada a serviço de príncipes, — estes gêmeos e os Heeren XIX da Companhia das Índias.
Larguei de floretes para pegar na pena, e porfiam discretos se a flor ou a pluma nos autorizam mais às eternidades da memória.
Hoje, já não florescem em minha mão.
Meti números no corpo e era esgrima, números nas coisas e era ciência, números no verbo e era poesia.
Ancorei a cabeça cheia de fumaça no mar deste mundo de fumos onde morrerei de tanto olhar.
Julgar dói?

Entre monstro-lusco e monstro-fusco,
entre o colosso e a esfinge…
OCCAM! fica como está! Morto. O assunto… e sepulto, mergulho no assunto e me ergo… enxergando tudo! Um ovo… Um ego… Um isso de OCCAM… Agonias de espetáculo! O sumo do saber!

Cito dat-quid… bisi nidem, datur.

Digo cada vez mais os silêncios do futuro.
(zuup!)A crise cruza com um signo: (vendo letras no ar) M, x, c, x, i, t, l ! “In hoc!” signo.
OCCAM: mero inspírito, puro, explícito, espião!

Pequena… pecúnia!! Calada… calúnia… coluna!!!

Aleajacta Non¿ Abolenda fata! Coisa late esconsa por aqui…
(se assusta como se a pessoa sumisse de sua frente). Desapareceu!!
…num parecer parecido com o de OCCAM, o qual transcorre de imediato.

Desenvolve-se contradição no seio do equilíbrio, o invariável torna-se viável: diálogo.
O verdadeiro lugar comum é realmente notável.

Recurso para acuar OCCAM, coloca-se o arqueiro em posição de óbvia distração, mostra-se no posto ”senhor indiscutível da grande área”, adentra-se pelo centro, rolando de ro-ro-ro-dízio (voz slow).

(batida funk) “Impedido: OCCAN é anulado! Isso!!!
Tristis unitas, uni-unicaTrinitas.
Aquele que não se diz não volta mais.
No-lite turbarecirculos médios”.

Resta o monstro!!!
Esca-FÉDER!!
Isso!!
Esca-FENDEM!!
Esca-FENDER!!
Isso!
Es-CONFUNDEM!…
OCCAM, o anti-tantã!
No puro acáu-saso: alísios,
no promontório alto: ácaros,
e no azul do nadir: OCCAM!

(jogo de futebol) Atento no laancee!! Vasculha as gamas:
(fala de um time) N gang-laring, o mon-drongo.
(fala do time “Occam”) FUNGO-OCCAM! Finjo-viiingo.
(chamando o comentarista) Tiiigris-tiiis!!
(comentarista para um lado) lhun-tseee!!
(comentarista para outro lado) nhun-cheee!!
Briga braaba, Bragaaança!!
Maré não está para manáa!
(volta narrador do jogo)
Carama, Joreng, Frôdo bom!
Lo-mongo, lon-kundo! …Jukúuu, pareeece.
Somâmbulo! Triânfulos. (para o jogo)

(tentando decifrar) No ovo-alvo… preto-pinta no branco-persa… flecha! O guivra papão, giraguirlanda…
(descobre) A GUSLA DA GUERRA!!!

(se assusta) De Ovo, OCCAM!!! Fra, gr-óbvio! Macaco-inhama! Peca-cu ânea!

(contando para o público) Acabo de conferir as es… (olha para Occam indo, espera disfarçando e continua) Acabo de conferir as estacas e as bases de espetáculo (muito preocupada) …nem queira saber, quão digna de OCCAM essa resposta seca! (olha na direção de onde estava Occam e desconversa)… hãm! hãm!
Deixe disso! – disse-lhe o seixo. Ponho a mão no fogo para tirar fogo dos fogos, e me acendeio pelo fôlego! Falastra!!! Faro trícino, oceano cênico!

(rebobinando) M… be… no… ir !
Barrei um pensamento irritando as onças! …Me imitaram.
Caí! …Em cima do OCCAM.

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Eu assumo várias formas, ou arrumo
vários casos.
Eu comento hipóteses.
Eu disse não.
Eu dizendo, eu não fazendo.
Eu é que perdi os sentidos.
Eu estou aqui, esteja aqui agora.
Eu estou sobrando.
Eu estou tentando sobreviver,
buscar meios de sobrevivência.
Eu já disse que isso acontece,
está acontecendo aqui.
Eu já era.
Eu me chamo Procurado, muitos, me
têm procurado, poucos me têm
achado.
Eu mesma nasci das pequenas
ordens, das organizações casuais
dos elementos juxtapostos.
Eu não era nada.
Eu não estou mais adiante.
Eu não passei por trás.
Eu não quero cair lá.
Eu o dia que Artyxewsky tivermos
filho, Occam chamado.
Eu sei.
Eu sou a crise.
Eu sou demais.
Eu sou o processo.
Eu vejo longe.
Eu via, era um som na minha vida,
me ouvindo.
Eu, por exemplo, fiquei na mesma
semente de sempre.

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Desde verdes anos, tentaram-me o eclipse – e a economia dos esquemas.
Exímio dos mais hábeis nos manejos de ausências, busquei apoio nos últimos redutos do zero.
Foi a época que eu mais prestigiei o silêncio, o jejum e o não.
Sabe com quem está falando?
Cultivei meu ser, fiz-me pouco a pouco: constitui-me. Letras me nutriram desde a infância, mamei nos compêndios e me abeberei das noções das nações. Compulsei índices e consultei episódios.
Desatei o nó das atas, manuseei manuais e vasculhei tomos.
Olho noturno e diurno, palmilhei as letras em estradas: tropecei nas vírgulas, caí no abismo das reticências, jazi nos cárceres dos parênteses, rolei a mó das maiúsculas, emagreci o nó górdio das interrogações, o florete das exclamações me transpassou enchi de calos a mão fidalga torcendo páginas.
Em decifrar enigmas, fui Édipo; enrolar cogitações, Sísifo; em multiplicar folhas pelo ar, outono.
Freqüentei guerras e arraiais; assíduo no adro das basílicas, cruzei mares, pisei o pau dos navios, o mármore dos paços e a cabeça das cobras.
Estou com Parmênides, fluo com Heráclito, transcendo com Platão, gozo com Epicuro, privome estoicamente, duvido com Pirro e creio em Tertuliano, porque é mais absurdo.
Lanterna à mão, bati à porta dos volumes mendigando-lhes o senso. E na noite escura das bibliotecas iluminava-me o céu a luz dos asteriscos.
Matei um a um os bichos da bíblia

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Me dixit magister quod ipsi magistri dixerunt.

15 pontos nos is (Paulo Leminski)

1. O Catatau é a história de uma espera. O personagem (Cartésio) espera um explicador (Artiscewski). Espera redundância. O leitor espera uma explicação. Espera redundância, tal como o personagem (isomorfismo leitor/personagem). Mas só recebe informações novas. Tal como Cartésio.

2. A espera de Descartes/Cartésio é uma espera cibernética. A melhor definição para “informação”: expectativa frustada. Toda informação nova vem de uma “expectativa frustrada”. O Catatau é uma imagem ampliada dessa noção.

3. Cartésio espera Artiscewsky. O leitor também tem uma espera. Uma expectativa. O que ele — antes de ler — já sabe da mensagem. Ou crê saber. Informação é expectativa frustrada. No Catatau, a expectativa é sempre frustrada. O leitor jamais sabe o que deve esperar: rompe-se a lógica e as passagens de frase para frase são regidas por leis outras que não as normas da sintaxe discursiva “normal”. Existe literalmente um abismo de frase para frase, abismo esse que o leitor deve transpor como puder (como na TV, entre ponto e ponto). Mesmo quando um segmento cobra continuidade (parece fazer sentido), é apenas para contrastar com o efeito contrário, que sucede sempre. Dentro do Catatau, o leitor perde a mania de procurar coisas claras. Então, aquelas que são claras por si mesmas tornam-se escuras no seu entendimento.

4. Se disserem que a expectativa permanente no Catatau acaba por se tonar um estado monótono (caógeno), digo que pretendi realizar um dos postulados básicos da cibernética: a informação absoluta coincide com a redundância absoluta. O Catatau procura gerar a informação absoluta, de frase para frase, de palavra para palavra: o inesperado é sua norma máxima. A seqüência das frases de um texto coloca uma lógica. Mas nessa busca da informação absoluta, sempre novidade, novidade sempre, por uma reversãode expectativa, ele produz a informação nula: a redundância. Se você sabe só vem novidade, novidades vêm, e deixa de ser novidade. O Catatau é, ao mesmo tempo, o texto mais informativo e, por isso mesmo, o texto de maior redundância. 0 = 0. Tese de base da Teoria da Informação. A informação máxima coincide com aredundância máxima. O Catatau não diz isso. Ele é, exatamente, isso.

5. Catatau (aparentemente) é uma “narrativa” em “primeira pessoa”. É uma ego-trip. A narrativa na primeira pessoa é a mais econômica. Eu. Reduz a multiplicidade do universo ao âmbito de um ego só. Economia de um quadro de Mondrian.

6. Catatau procura captar, ao vivo, o processo da língua portuguesa operando. E mostrar como,no interior da lógica todo-poderosa, esconde-se uma inautenticidade: a lógica não é limpa, como pretende a Europa, desde Aristóteles. A lógica deles, aqui, é uma farsa, uma impostura. O Catatau quer lançar bases de lógica nova.

7. Para o europeu, o Brasil soava absurdo, absurdo que era preciso exorcizar a golpes de lógica, tecnologia, mitologia, repressões.
7.1 O ritmo, não o metro. O Catatau registra direções, não assunto. Oftalmografa a passagemdas distâncias nas células fotoelétricas das afinidades eletivas; regula a articulação das partículas atéestas se descontrolarem, gerando leis de crescente complexidade, que já emergem precipitandonovas catástrofes de signos. Por isso, atenção flutuante nas ex-abruptas passagens do sentido para o nonsense, do suspense para o pressentimento.

8. Ao Catatau, dois movimentos o animam: um, documental, centrífugo, extroverso, se dirige para uma realidade extratextual precisa (referente), com toda a parafernália de marcação duma ambiência física, geográfica, histórica e portanto épica; o outro movimento, estético por contraste (sístole cardíaca do Catatau), chega às raias subterrâneas e canais atávicos da linguagem e do pensamento. O significado (semântica) do Catatau é a temperatura resultante da abrasão entre esses 2 impulsos: a eterna inadequação dos instrumentais consagrados, face à irrupção de realidades inéditas.

9. O Catatau é um caso textual de “possessão diabólica”: um texto “clássico” é possuído (possesso) por um monstro “de vanguarda”, que é o próprio catatau, chamado também de “Occam”, um princípio de perturbação da ordem, um agente subversivo, uma estática: o monstro é a personificação (prosopopéia) do conceito cibernético de ruído. As aparições do monstro fazem o texto voltar-se para si mesmo: o monstro é centrípeto. Ele denuncia o código em que a mensagem está sendo registrada.

10. Catatau é um texto em mutação: um mutante.

11. Na palavra “catatau”, animal e texto são sinônimos.

12. Catatau & psicopatologia. O ilusionismo solipsista (ego-trip) do personagem-Cartésio é o fiel retrato, em termos de realismo, do estado de espírito do colonizado, um homem fragmentado, desconexo, perplexo, atônito: alienado. Um dos fenômenos mais típicos do “delirium tremens”, alcoólico é a zoopsia, alucinação com animais repugnantes: cobras, ratos, lagartos. E de zoopsia que Cartésio sofre no parque, vendo todos aqueles bichos absurdos. O parque de Nassau é um lugar mental. Todo o texto é um parque de palavras, sentenças, períodos. O Catatau é um parque de locuções populares, idiotismos da língua portuguesa, estrangeirismos. Seu polilingüismo é o reflexo do polilingüismo do Brasil de então onde se praticavam as línguas mais desencontradas: o tupinambá da Costa e centenas de idiomas gês/tapuias, dialetos afros, português, espanhol e, em Vrijburg, cosmopolita, holandês, alemão, flamengo, francês, iídiche e até hebraico. Outro fenômeno psicopatológico transformado em recurso de base é o mentismo. Em psiquiatria, chama-se de mentismo um pensamento que vem por si, uma idéia fixa que vai e volta, contra o paciente, atingindo exatamente os pontos mais delicados de suas neuroses e psicoses. Mentismo ocorre sempre quando o personagem do Descartes/ Cartésio recusa, repele ou nega um pensamento que acaba de ter. Ele sempre atribuiu esses mentismos a um efeito do clima ou da erva que fuma. É a presença de um corpo estranho no pensamento organizado de Descartes. Por isso, Descartes/Cartésio é o “heauntontimorúmenos” = “o atormentador de si mesmo”, nome de uma peça de Terêncio.

13. Catatau é um texto colocado sob o signo da Ótica, Descartes sendo um dos pais da Ótica como disciplina científica, parte da Física. Está cheio de anomalias óticas: refrações, difrações, desvios, que incidem sobre as palavras, as sentenças, a linguagem e a lógica.

14. O bestiário. A bicharada, com que começa o Catatau, emblematiza o pasmo do europeu (esse desbestificado), pasmo esse, choque e pânico que os antigos tinham na conta de fonte do filosofar (até para Aristóteles, o exercício da reflexão começava por um “thaumazein” | “espantar-se”). Ante esses animais, a lógica de Descartes vai para o brejo. Cada fera daquelas (tamanduás, jibóias, preguiças) estropiava uma lei de Aristóteles, invalidava uma fórmula de Plínio ou de Isidoro de Sevilha. (p. 1-2) Ver bichos através/atrás de vidros, o longe crítico.

15. Mensagem afetada de elevado coeficiente de ininteligibilidade, a legibilidade no Catatau está distribuída de maneira irregular.

Octavio Camargo. Curitiba/PR. 1993Octavio Camargo, em casa, em 1993.

Elenco: Claudete Pereira Jorge, Chris Gomes e Helena Portela
Direção: Octavio Camargo

Criptodramaturgia: Glerm Soares
Música; Octavio Camargo e Glerm Soares
Iluminação: Beto Bruel

Operação de luz: Érica Takahashi e Raul Freitas
Operação de som: Gabriel Ammadeus e Guilherme Portela

Produção: Jewan Antunes
Arte gráfica: Luiz Antonio Solda

Fotografia: Gilson Camargo

3 comentários sobre “Catatau: a justa razão aqui delira – Direção Octavio Camargo

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